segunda-feira, 5 de novembro de 2012

Água de Beber - pequenas histórias de capoeira


Por Rui Zilnet*

Na próxima sexta-feira, 9, às 19h30, no Centro Cultural Municipal Parque das Ruínas, estréia nova temporada do espetáculo Água de Beber, concebido e dirigido por Cláudio Baltar, que foi sucesso recente no Teatro Maria Clara Machado, na Gávea.

O espetáculo, que associa a música, o corpo em movimento e a reflexão sobre os princípios e características inerentes à capoeira, foi inspirado no livro “Santugri”, de Muniz Sodré, cujas curtas histórias de “mandinga e capoeiragem” remetem aos segredos, mitos e negaças de personagens como Besouro, Querido de Deus, Madame Satã, e muitos outros.

Cenas inspiradas em artigos de jornais, sobre escravos do século XIX, extraídos do livro “Retrato em Branco e Negro”, de Lilia Moritz Schwarcz, destacam o caráter documentarístico de Água de Beber. Na representação de fuga dos escravos, o instinto de sobrevivência aparece como o princípio primordial que deu origem à capoeira.

Através do episódio das Maltas, pesquisadas em autores como Paulo Coelho de Araújo e tese do Mestre Nestor da Capoeira, é retratada a marginalidade no Rio de Janeiro, entre 1850 e 1900, e a perseguição aos capoeiras.

Outros aspectos relativos à pratica da capoeira emergem da cena, tais como, o aprendizado e a relação mestre/discípulo, com a pergunta “O que é capoeira”, em contraposição a “O que não é capoeira?”. A partir de um desafio musical entre a cabeça e o corpo, busca-se saber quem é que comanda o movimento impulsivo. Já para investigar o movimento instintivo, recorre-se aos animais.

Sintetizando, “trazemos a água como símbolo da vida e princípio das transformações: “Capoeira é água de beber, câmara...””

Recomendo o espetáculo “Água de Beber” aos meus amigos e leitores. É ótimo!


Serviço:

Água de Beber
Centro Cultural Municipal Parque das Ruínas
Rua Murtinho Nobre, 169 – Santa Teresa
Telefones (21) 2215-0621 / 2224-3922
De 9 de novembro a 2 de dezembro – Sexta a domingo, às 19h30
Ingressos: R$ 20 (inteira) e R$ 10 (meia)
Classificação: 10 anos

Ficha técnica:
Direção, concepção e roteiro: Cláudio Baltar
Codireção: Fabianna de Mello e Souza
Direção de produção: João de Mello
Produção executiva: Vânia de Mello
Assistente de produção: Sandra Alencar e Álvaro Bacim
Programação visual: Brígida Baltar
Projeção: Brígida Baltar e Rico Vilarouca
Iluminação: Aurélio de Simoni
Adaptação e montagem de luz: Rogério Emerson
Assistente de iluminação: Gabriel Marques
Figurino: Valéria Martins
Assistente de figurinos: Vânia de Mello
Gerência administrativa: Leonardo Luis dos Santos
Direção musical e trilha: Rafael Rocha, Fábio Leão Pequeno e Sérgio Cebolla
Preparação Jogo dos Bichos: Mestre Camisa
Preparação Jogo de Dentro: Marron Capoeira
Treinamento de máscaras: Fabiana de Mello e Souza
Vozes em off: Rodrigo dos Santos, Muniz Sodré, Bernardo Conde
Cordel: Parafina, Lobisomen e Leão Pequeno
Música das Maltas e música final: Bernardo Palmeira
Música “Água pra Viver”: Lobisomem e Cebolão
Estúdio e mixagem: Bernardo Palmeira
Confecção das máscaras: Clívia Cohen
Confecção de instrumentos: Sérgio Cebolla e Marcos China
Confecção de figurinos: Maria das Graças Silva
Adereços: Cida de Souza
Objetos de Cena: Marcos China
Elenco:
William de Paula
Sérgio Cebolla
Fábio Leão Pequeno
Davi Mico Preto
Raphael Logan
Charles Rosa.
Atores substitutos: Rodrigo dos Santos e Cláudio Baltar.


* Texto e fotos por Rui Zilnet, com informações sintetizadas de folder distribuído pela produção do espetáculo.

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quinta-feira, 18 de outubro de 2012

Água de Beber


Por Rui Zilnet*

Na última sexta-feira (12), fui assistir a (re)estreia de Água de Beber, um espetáculo maravilhoso, concebido por Cláudio Baltar, associando a música, o corpo em movimento e a reflexão sobre os princípios e características da capoeira.

O espetáculo, que está em cartaz no Teatro Maria Clara Machado, na Gávea, é muito dinâmico, interativo e contagiante. Para Cláudio Baltar, “Água de Beber é uma reflexão atual sobre a capoeira, trazendo, não uma, mas muitas visões acerca de uma das manifestações mais ricas da nossa cultura popular”.

Inspirado em artigos de jornais, sobre escravos do final do século XIX, o autor construiu cenas de fuga dos escravos, destacando que o instinto de sobrevivência aparece como princípio primordial que dá origem à capoeira.

O elenco, dirigido por Cláudio Baltar, é integrado por William de Paula, Sérgio Cebolla, Fábio Leão Pequeno, Davi Mico Preto, Raphael Logan e Charles Rosa. Atores substitutos: Rodrigo dos Santos e Cláudio Baltar.

Não deixe de assistir a este maravilhoso espetáculo, que é Água de Beber!


Serviço:

Água de Beber
Teatro Municipal Maria Clara Machado
Rua Padre Leonel Franca, 240 – Gávea – Rio de Janeiro – Tel. (21) 2274-7722
De 12 de outubro a 4 de novembro de 2012
Sexta e sábado, às 21 horas; Domingo, às 20 horas.

 Em seqüência:

Centro Cultural Municipal Parque das Ruínas
Rua Murtinho Nobre, 169 – Santa Teresa – Rio de Janeiro
Telefones (21) 2215-0621 / 2224-3922
De 9 de novembro a 2 de dezembro de 2012
Sexta a domingo, às 19h30

Ficha técnica:

Direção, concepção e roteiro: Cláudio Baltar
Codireção: Fabianna de Mello e Souza
Direção de produção: João de Mello
Produção executiva: Vânia de Mello
Assistente de produção: Sandra Alencar e Álvaro Bacim
Programação visual: Brígida Baltar
Projeção: Brígida Baltar e Rico Vilarouca
Iluminação: Aurélio de Simoni
Adaptação e montagem de luz: Rogério Emerson
Assistente de iluminação: Gabriel Marques
Figurino: Valéria Martins
Assistente de figurinos: Vânia de Mello
Gerência administrativa: Leonardo Luis dos Santos
Direção musical e trilha: Rafael Rocha, Fábio Leão Pequeno e Sérgio Cebolla
Preparação Jogo dos Bichos: Mestre Camisa
Preparação Jogo de Dentro: Marron Capoeira
Treinamento de máscaras: Fabiana de Mello e Souza
Vozes em off: Rodrigo dos Santos, Muniz Sodré, Bernardo Conde
Cordel: Parafina, Lobisomen e Leão Pequeno
Música das Maltas e música final: Bernardo Palmeira
Música “Água pra Viver”: Lobisomem e Cebolão
Estúdio e mixagem: Bernardo Palmeira
Confecção das máscaras: Clívia Cohen
Confecção de instrumentos: Sérgio Cebolla e Marcos China
Confecção de figurinos: Maria das Graças Silva
Adereços: Cida de Souza
Objetos de Cena: Marcos China


* Texto e fotos: Rui Zilnet

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quinta-feira, 23 de agosto de 2012

Belo Monte paralisada


Por Rui Zilnet

A Norte Energia comunicou no início da tarde desta quinta-feira (23), que por determinação judicial, estão suspensas as obras civis da Usina Hidrelétrica de Belo Monte e demais atividades a ela diretamente vinculadas.

Como toda população brasileira está cansada de saber, o projeto da usina de Belo Monte foi estudado e aperfeiçoado por mais de 35 anos, tendo sido investidos até agora R$ 5 bilhões de um total de cerca de R$ 26 milhões previstos.

Pelo que tenho acompanhado da celeuma que se prolonga por todos estes anos - e pela pressão dos ambientalistas sobre ela - a Norte Energia vinha demonstrando estar cumprindo à risca a legislação ambiental, especialmente no que diz respeito à defesa dos direitos dos povos indígenas da região do Xingu, garantindo que nenhuma terra indígena seria diretamente afetada pela construção da usina de Belo Monte.

Ao que me parece, o grande prejudicado com a paralisação definitiva desta obra, será o Brasil. As conseqüências para a matriz energética brasileira serão negativas e imprevisíveis. Para suprir a demanda do consumo haverá necessidade de acionamento de termoelétricas a óleo, extremamente poluidoras e de custo mais elevado do que Belo Monte.

Se as obras já iniciadas forem paralisadas definitivamente, proporcionarão sérios prejuízos econômicos e ambientais. Mais de 20 mil trabalhadores ficarão imediatamente desempregados, incluindo os terceirizados, os lotados nas obras do entorno, na construção de escolas, postos de saúde, estradas, além dos que atuam nos programas socioambientais.

Com a suspensão das obras, outro efeito negativo é a interrupção dos investimentos de R$ 3 bilhões, previstos em 117 programas do Projeto Básico Ambiental (PBA), que serão cancelados. Obras importantes, como o saneamento básico da área urbana de Altamira e de Vitória do Xingu e o reassentamento de mais de 5 mil famílias que vivem em palafitas às margens do rio Xingu.

O financiamento do Plano de Desenvolvimento Regional Sustentável do Xingu (PDRSX), para atendimento das populações de 11 municípios, com recursos de R$ 500 milhões da Norte Energia - e outros R$ 2,5 bilhões do governo federal - também serão suspensos, incluindo as iniciativas para as comunidades indígenas e ribeirinhos.

Com a paralisação do repasse aproximado de R$ 45 milhões/mês, relacionados à obra de Belo Monte, as administrações públicas municipais, estaduais e federais sentirão as conseqüências, que refletirão imediatamente sobre a população local.

A economia local será severamente impactada, acarretando perdas irreversíveis de investimentos em áreas de imobiliárias, hotelaria, transportes e comércio em geral.

O que será do povo pobre trabalhador, que foi atraído pelo trabalho em abundância para uma região que sempre esteve à margem dos interesses Estado, além daqueles que já viviam marginalizados nas palafitas do Xingu?

E agora, quem resolverá a situação daquele pobre povo? Os ambientalistas ou os gringos?

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sexta-feira, 10 de agosto de 2012

Brasil, um dos paises onde mais se persegue e mata jornalistas



“‘Jornalistas estão mais do que nunca na mira dos inimigos da liberdade de expressão’, diz diretor do INSI”

Por Jacqueline Patrocínio, em Comunique-se

De acordo com a pesquisa realizada pelo International News Safety Institute (INSI), pelo menos 70 jornalistas e outros profissionais de mídia morreram durante cobertura no primeiro semestre deste ano. Neste período, os piores países para jornalistas, segundo a pesquisa, foram Nigéria, Brasil, Somália, Indonésia e México.

Diretor do INSI, Rodney Pinder, afirma que as armas e bombas continuam como método preferido de censura em muitos países. “Jornalistas estão mais do que nunca na mira dos inimigos da liberdade de expressão. Toda e qualquer morte sufoca o fluxo de informações, sem o qual nenhuma sociedade livre pode funcionar”, declara.

Nos últimos dez anos, a taxa de impunidade dos assassinos se manteve constante no mundo em aproximadamente 90% das vezes. Sobre o Brasil, Pinder mencionou a cobrança da Asssociação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji) na apuração do caso do jornalista Décio de Sá, assassinado em abril.

Esses crimes silenciam os repórteres e “avisam” de que não se deve cobrir em certas áreas. Em diferentes países, os jornalistas deixam de registrar algumas questões. “Esses cantos obscuros da sociedade não estão sendo expostos como deveriam”, conclui.

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quarta-feira, 4 de julho de 2012

A mídia conservadora brasileira e o golpe no Paraguai


“A "Frente Paraguaia" mostra os dentes”


Por Saul Leblon, em Carta Maior

Bastou um golpe de Estado para catalisar a orfandade conservadora, que amargava indócil ostracismo no ambiente democrático e progressista que predomina no Brasil e na América do Sul. Veio do sofrido Paraguai - onde 2,5% da população detém 80% das terras - a senha para replicar cepas e esporões remanescentes de ditaduras e negócios contrariados ao longo desse processo.

O 'golpe democrático' contra Fernando Lugo aconteceu numa sexta-feira (22-06); rito expresso, cumprido em 33 horas. As bactérias conservadoras se alvoroçaram; mas ainda aguardariam o fim de semana para medir a espaço de adesão. Avaliado o risco, começaram a proliferar-se. A frente paraguaia pró-golpe manifestar-se-ia, primeiro, no Congresso.

Expoentes tucanos e emissários do agronegócio brasileiro, que anexou extensões escandalosas de terras do país vizinho em prejuízo dos camponeses locais, desfraldariam o lobby. Queriam o 'reconhecimento do novo governo amigável' por parte da Presidenta Dilma. Rechaçados, seria a vez da cavalaria midiática colocar-se a campo. A Folha, em editorial no dia 26, sugestivamente intitulado 'Paraguai soberano' esbravejava antecipadamente contra a reunião do Mercosul que ocorreria em Mendoza, três dias depois, e recomendava, ou melhor, ordenava: 'o melhor que o Itamaraty tem a fazer é calar-se e respeitar a soberania do vizinho'.

Como os presidentes do Brasil, Argentina e Uruguai não leram o editorial e, ademais de suspenderem o Paraguai golpista, incorporaram a Venezuela progressista ao bloco, as cepas e esporões passaram a reproduzir-se com furor lacerdista. Colunistas prestativos lixaram o verniz liberal e espanaram o pó de uma biografia de bons serviços prestados à ditadura brasileira, como editores de recados semanais nas revistas de sempre.

Aqui e ali espumaram sua essência intacta contra o que classificariam como sendo 'uma truculenta intervenção nos assuntos internos do Paraguai'.

Nesta 3ª feira, coube ao 'Estadão' editorializar o desejo implícito na esponjosa reação em cadeia de valores liberais que costumeiramente unem o cofre agrário ao bolso da subserviência geopolítica. O jornalão que patrocinou o golpe de 64, e esperneou quando foi excluído do butim, deixou de lado a liturgia do espaço editorial e aconselhou aos golpistas paraguaios 'mandar às favas essa união aduaneira fracassada e buscar negociações relevantes para seu país'. Leia-se, buscar o regaço largo dos EUA, implodindo uma união regional que nem a crise conseguiu arranhar --e que corre o risco de se fortalecer se o colapso financeiro dos ricos for exorcizado pela retomada do ativismo estatal na região.

A frente paraguaia, portanto, pôs-se a campo, tem objetivos claros e agora explícitos: apoiar o golpe; através dele, criar um contencioso capaz implodir a espiral soberana e progressista em curso na América Latina. Leia oporrtuna a entrevista do assessor especial da Presidência da República, Marco Aurélio Garcia sobre o assunto, em Carta Maior.

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terça-feira, 26 de junho de 2012

Polícia some e população de rua e craqueiros reaparecem no centro do Rio


Rui Zilnet*

Após 12 dias afastada dos seus lugares tradicionais de concentração,
população de rua volta ao seu habitat natural na selva de pedras
Entre os dias 13 e 24 deste mês, durante a realização da Rio+20 o que mais chamou a atenção no Rio de Janeiro foi o aparato de segurança mostrado ao mundo e a ausência dos miseráveis e craqueiros nos logradouros públicos de grande circulação e lugares de influência direta do evento.

Durante este período tive uma curiosidade muito grande em saber qual o destino da população de rua com a qual estamos acostumados a conviver diariamente. Sentia um desconforto por não conseguir ver ou ter notícias de pessoas que não temos intimidade, mas que cruzamos todos os dias em determinados lugares da cidade e que passam a fazer parte de nossas vidas.

O intenso contingente de forças de segurança pública mostrados aos
cariocas e visitantes durante a realização da Rio+20 não amanheceu
nas ruas da Cidade Maravilhosa nesta segunda-feira
Nesta segunda-feira, como já era esperado, a cidade amanheceu sem o policiamento apresentado pelo Estado para a garantia da segurança da Rio+20. Aos poucos, durante o longo do dia os moradores das ruas foram chegando, o que para mim foi um alívio. Não sei se todos retornaram aos seus locais de permanência diária, mas uma grande maioria está na rua. Prefiro vê-los todos os dias, em locais onde são assistidos pela solidariedade de pessoas sensíveis aos seus problemas do que sumidos repentinamente, sem saber seus destinos.

Então, para satisfazer a minha curiosidade, no fim da tarde fui a um dos pontos mais tradicionais de reunião dessas pessoas, no Largo da Lapa. Ao chegar lá, respirei mais aliviado. Pois, encontrei na fila que todas as tardes se forma naquele local, onde recebem uma senha, distribuída por um grupo de freiras, para a sopa vespertina que é servida em uma casa localizada na Travessa do Mosqueira.

Ao aproximar-me de alguns integrantes do grupo, buscando saber para onde foram levados e quem os levou, a resposta veio prontamente, com muitas reclamações. Foram levados para pelos agentes municipais da Ordem Pública e da Assistência Social municipal ao Abrigo Municipal de Antares, localizado em Santa Cruz, na Zona Oeste da capital fluminense, onde ficaram detidos até o início desta segunda-feira (25).

Foi uma limpeza sumária das ruas centrais e de todos os lugares de influência do evento internacional, para transmitir aos visitantes e participantes da Rio+20 a falsa sensação de que o Rio de Janeiro é uma cidade sem miséria, sem violência. O abrigo de Antares, localizado onde funcionava uma unidade de formação profissional do Sesi/Senai, não passa de um depósito de seres humanos que vivem sob o manto do descaso e omissão do poder público com a anuência de uma sociedade injusta e mesquinha que só olha para o seu próprio umbigo.
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Até quando iremos conviver com esta situação? Onde estão os responsáveis em promover o bem estar social prometido na Constituição Federal do Brasil?


Texto e fotos: Rui Zilnet

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quinta-feira, 21 de junho de 2012

Rememorando Bauru

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Por Rui Zilnet

No início deste mês de junho tive a oportunidade e felicidade de poder retornar a Bauru, cidade localizada na Região Centro-Oeste do Estado de São Paulo, conhecida não somente pelo famoso sanduíche que leva o seu nome, mas também por sediar um dos principais troncos rodoferroviários do país por muitas décadas, e que me acolheu entre os anos de 1990 e 1993.

Pórtico da gare abandonada da Estação Noroeste do Brasil/Bauru/SP
Nesta viagem, permaneci por oito dias revendo uma Bauru bonita, bem urbanizada, mas com uma grande chaga, provocada pelo estado de abandono da ferrovia, que, durante décadas, representou o progresso e desenvolvimento da região. Até a década de 1990, trens de passageiros e cargas com destino a diversas localidades brasileiras produziam intenso movimento na Estação Noroeste do Brasil.

Cheguei à cidade, pela primeira vez, no início da década de 1970, por um trem do ramal de Botucatu, que, se não me falha a memória, era da Ituana ou Sorocabana. Mais tarde, viajei muitas vezes nos confortáveis trens da Companhia Paulista, que partiam à noite da Estação da Luz [depois da Barra Funda], em São Paulo, e chegavam a Bauru no início da manhã.

Composição com locomotivas de tração elétrica abandonada na gare
De Bauru também parti várias vezes rumo a Campo Grande e Corumbá, no trem do Pantanal. Viagens inesquecíveis. Não esqueço do carinho com que era tratado pelo pessoal da RFFSA, na Estação Noroeste de Bauru, durante os anos que permaneci na cidade.

O último trem de passageiros, da antiga linha da Cia. Paulista, chegou a estação de Bauru no dia 15 de março de 2001. No dia 13 de janeiro de 1993 acompanhei e registrei a última viagem do trem Bauru/Campo Grande. O que resta hoje no local é o total abandono, representando o descaso com a história e os bens públicos em nosso país.

Trem Maria-Fumaça recuperado por funcionários da Prefeitura de Bauru
O que sobra da ferrovia em Bauru, além do estado de abandono e para aliviar o sofrimento dos amantes da ferrovia, é um singelo museu mantido pela Secretaria de Cultura do município, em prédio contíguo à antiga estação. Um trem Maria-Fumaça, prefixo 278, recuperado por funcionários da Prefeitura Municipal, circula no terceiro domingo do mês, em pequeno percurso, tracionando dois vagões de passageiros, um de primeira e outro de segunda classe, além de um vagão de administração.



Observação:

Durante minha visita à gare da Estação Noroeste do Brasil, no último dia 13, um dos fatos que me deixou indignado e perplexo foi provocado por uma guia de turismo, da Secretaria de Cultura do Município, que acompanhava um grupo de estudantes em visita ao trem Maria-Fumaça e interrompeu seu trabalho, extrapolando de suas funções, para me interpelar de forma autoritária enquanto eu, devidamente identificado e autorizado, desempenhava minha função jornalística. Não entendi o interesse da funcionária em tentar ocultar o que está tão visível a todos.

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sexta-feira, 15 de junho de 2012

Hoje, um bom dia para reflexão

Rui Zilnet

Em nosso país, todo dia comemora-se alguma data alusiva a algum fato. Natal, Páscoa, Dia das Mães, Dia dos Pais, Dia da Criança, Dia da Árvore, Dia dos Namorados, Santo Antonio, São José, Dia do Cão, Dia do Gato, Dia de São Isto, Dia de São Aquilo. E o Dia do Combate à Violência contra o Idoso, alguém lembra ou sabe que existe?

Pois é, em 2006 a Organização das Nações Unidas (ONU) e a Rede Internacional de Prevenção à Violência à Pessoa Idosa instituíram o dia 15 de junho como data mundial de combate à violência contra os idosos. Poucos sabem ou fingem não saber da existência dos direitos que protegem as pessoas com mais de 60 anos.

No Brasil, somente em 2003 foi atendida uma exigência formulada na Constituição Federal de 1988. A Lei Nº 10741 instituiu o Estatuto do Idoso, que diz que a pessoa com mais de 60 anos é protegida pelo estatuto (art. 1), garantindo-lhe os direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, assegurando-lhes todas as oportunidades e facilidades para preservação de sua saúde física e mental e seu aperfeiçoamento, moral, intelectual, espiritual e social, em condições de liberdade e dignidade (art. 2). É obrigação da família, da comunidade, da sociedade e do Poder Público assegurar ao idoso, com absoluta prioridade, a efetivação do direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, à cultura, ao esporte, ao lazer, ao trabalho, à cidadania, à liberdade, à dignidade, ao respeito e à convivência familiar e comunitária (art. 3).

A violência contra o idoso e a violação aos seus direitos é clara e alarmante em nosso país. A instituição desta data objetiva criar uma consciência mundial, social e política da existência da violência contra a pessoa idosa e disseminar a idéia de não aceitá-la como normal. A violência contra a pessoa idosa deve ser entendida como uma grave violação aos Direitos Humanos.

A sociedade brasileira deveria ser menos omissa, menos egoísta e olhar com mais carinho e atenção para os Idosos. Seja em casa, no ônibus; trem, metrô, mercado, padaria, calçada; ao atravessar a rua; ao subir uma escada, etc. Vemos tantas passeatas e movimentos em favor de tantas causas, mas nenhuma de combate à violência contra os idosos.

Será que estes que desprezam os direitos dos idosos hoje não alcançarão os 60 anos?

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domingo, 20 de maio de 2012

Mino Carta: "Lâmpada ou lanterna?"

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Por Mino Carta, em Carta Capital


Caçador de marajás. Fórmula exitosa explorada por Veja e pela Globo
para fazer do senhor acima o anti-Lula. Foto: Protásio Nene/AE
Roberto Civita é dotado exclusivamente de certezas. Talvez se deva ao QI. Há 52 anos, em um dia de abril ou maio, vinha ao lado dele pela calçada de uma rua central de São Paulo a caminho da Editora Abril, onde eu aportara pouco antes, e eis que pergunta qual seria meu quociente de inteligência. Declaro ignorar, de fato nunca me submeti a exames psicotécnicos. Sorriso cesáreo, pronuncia um número e esclarece: “É o meu”. “Satisfatório, imagino”, comento. Mais que isso, premia um ser humano a cada 25 milhões de semelhantes. O Brasil tinha então 70 milhões de habitantes, donde deduzo: “Só pode haver mais dois iguais a você”. “Pode – admite, plácido –, mas a estatística inclui todos os terráqueos, de sorte que eu poderia ser o único.”

Roberto Civita tende mesmo a se considerar único, um Moisés chamado a conduzir a Abril à terra prometida. Pronto a pôr em prática, assim como o herói bíblico dividia as águas, as artes da mídia nativa, inventar, omitir, mentir. Tropeço entre atônito e perplexo na última edição da revista Veja, a qual impavidamente afirma, entre outras peremptórias certezas, a autoria da derrubada de Fernando Collor da Presidência da República em 1992. Comete assim, entre a invenção e a mentira, o enésimo lance clássico do jornalismo nativo ao contar um episódio tão significativo da história do País.

Um ex-diretor da Veja, Mario Sergio Conti, escreveu um livro, Notícias do Planalto, para sustentar que Collor foi eleito pelos jornalistas. Não sei se Conti é mais um dos profissionais que no Brasil chamam o patrão de colega. Claro está, de todo modo, que a mídia naquela circunstância executou a vontade dos seus barões, a contarem com a obediência pronta e imediata dos sabujos. E à eleição de Collor Veja ofereceu uma contribuição determinante não menos do que a das Organizações Globo. Agora gabam-se pelo dramático desfecho do governo interrompido e omitem que lhes coube a criação do monstro.

Os leitores recordam certamente a expressão “caçador de marajás”. Pois nasceu no berço esplêndido da TV Globo e foi desfraldada à exaustão pela capitânia da esquadra abriliana. Ocorre que o naufrágio collorido não foi obra desta ou daquela, e sim do motorista Eriberto, que prestava serviço entre o gabinete presidencial do Planalto, o escritório de PC Farias e a Casa da Dinda. Localizado pela sucursal de IstoÉ em Brasília ao cabo de uma exaustiva investigação, trouxe as provas que a CPI não havia produzido. É a verdade factual, oposta à versão da última edição de Veja.

Lembro aquele sábado de 1992 em que IstoÉ foi às bancas com as revelações decisivas, de sorte a obrigar os jornalões, a começar pelo O Globo, a reproduzir as informações veiculadas pela semanal que então eu dirigia. A entrevista de Pedro Collor a Veja, do abril anterior, não bastaria para condenar o irmão presidente, tanto que a CPI se encaminhava para o fracasso. Pedro, de resto, nada de novo dissera na entrevista, a não ser a referência a certos, surpreendentes supositórios de cocaína. No mais, repetira, um ano e meio depois, uma reportagem de capa de IstoÉ.

Manual da arte midiática nativa, incluídas
mediocridadem parvoíce e ignorância
No fim de setembro de 1990, Bob Fernandes passou a acompanhar os movimentos de PC Farias por mais de um mês para desnudar, ao fim da tocaia, que o levou inclusive a hospedar-se no mesmo apart-hotel da eminência parda do governo, a culpa em cartório do presidente e seu preposto à corrupção. No dia do fechamento deIstoÉ, tarde de uma sexta-feira, fui visitado por um ex-colega, intermediário da tentativa de impedir a publicação. Veio ele melífluo, portador de um pedido partido de altos escalões (depois naquelas alturas identificaria a ministra Zélia, mais talhada para dançar bolero do que carregar a pasta da Economia), e eu prontamente apontei-lhe o caminho da rua. Nem por isso deixei de declinar a minha condição de empregado e admitir que meu patrão quem sabe pudesse ser seduzido com ouro, incenso e mirra. Não sei por que evoquei os magos na noite de Belém.

Logo, na prática, a sedução foi ensaiada em dólares, a bem da contemporaneidade, e Domingo Alzugaray, dono da Editora Três, recusou dignamente de 1 milhão a 5 milhões, até hoje ignoro o nível atingido pela derradeira oferta. Constatei depois, na costumeira troca de opiniões com meus botões, que os dólares teriam sido gastos inutilmente. A reportagem de capa caiu como pedra no pântano, não houve quem a repercutisse. Foi um daqueles momentos em que se recomenda o recurso à omissão.

Era cedo demais, teve de passar um ano e meio para que a mídia da casa-grande se convencesse de que o pedágio cobrado por Collor e PC era exorbitante. Apelou-se para o Pedro rebelde. Este episódio, desdobrado em pouco mais de dois anos de governo do “caçador de marajás”, é simbólico dos comportamentos dos nossos donos do poder, a partir da própria opção por Collor como anti-Lula. A tigrada em risco se dispõe a agarrar em fio desencapado.

O emblema é, porém, mais abrangente. Na sua patética edição desta semana Veja consegue demonstrar apenas que a lâmpada da capa é a enésima mentira. A série de textos pendurada no varal vejano estica-se na treva mais funda. Não se trata simplesmente de um manual de como o jornalismo pátrio atua, a inventar, omitir e mentir, mas também de mediocridade, parvoíce e ignorância. Em matéria, nos deparamos com uma obra-prima recheada por capítulos extraordinários na sua capacidade de suscitar tanto a hilaridade quanto o espanto.

Sem pretender hierarquizar na avaliação do ridículo e do grotesco, vale a afirmação de Vejaque se apresenta como vítima do ataque conjunto da imprensa ligada aos setores radicais do PT e pela internet, entregue a robôs de militância petista. Programados pelos cientistas (aloprados?) do partido da presidenta e do ex-presidente? O Brasil, segundo a semanal da Abril, confunde-se com Rússia, Cuba e Venezuela, onde a liberdade de imprensa é violentamente cerceada, e com a China, de internet robotizada. Talvez a rapaziada de Vejatenha de racionar suas idas ao cinema para assistir à ficção científica estilo Matrix. Claríssima é, contudo, uma área que a Skuromatic não logra alcançar: a proposta de censura à internet, estampada com todas as letras por quem se apresenta como paladino da liberdade de expressão.

Passagem empolgante aquela em que Veja define Antonio Gramsci, notável pensador do século passado morto na cadeia fascista às vésperas da Segunda Guerra Mundial depois de 11 anos de cativeiro, autor de uma obra monumental intitulada Cadernos do Cárcere, que ele considerava como ensaio daquela a ser escrita em liberdade. A revista da Abril decreta: Gramsci é um terrorista vermelho, não menos que Lenin e Stalin. Pois é do conhecimento até do mundo mineral que Gramsci plantou as raízes da transformação do partidão italiano, enfim capaz de abjurar os dogmas marxista-leninistas e de se afastar do Kremlin para desaguar no eurocomunismo de Enrico Berlinguer, de pura, autêntica marca social-democrática. Permito-me propor à redação de Veja os nomes de um punhado de terroristas: Sócrates, Jesus Cristo, Montano, Lutero, Maquiavel, Pascal, Voltaire, Caravaggio, Daniel Defoe, Jonathan Swift, Garibaldi, Bolívar, Dostoievski, Espinoza. Há muitos outros, mas são estes que me ocorrem de chofre.

Não faltam, para fechar o círculo, as omissões. Por que não consta entre as façanhas vejanas a fantástica revelação das contas clandestinas no exterior de figurões variados do governo Lula, encabeçada por aquela do próprio presidente? E por que não se evoca a reportagem de sete anos atrás, sobre os dólares destinados a abastecer as burras petistas, chegados de Cuba em garrafas, com as mensagens dos náufragos? De rum, imaginariam vocês. Nada disso, de uísque. Nunca fica tão evidente, de limpidez ofuscante, que Veja é a revista do inventor da lâmpada Skuromatic.

Quando me demiti da direção da redação de Veja e de integrante do conselho editorial da Editora Abril, disse ao chairman of the board, Victor Civita: “Por nada deste mundo hoje trabalharia na Abril, entre outros motivos porque seu filho Roberto é um cretino”. O patrão retrucou, sem irritação evidente: “Não diga isso, diga ingênuo”. Dois dias antes, fevereiro de 1976, o filho me confessara, candidamente, que o então ministro da Justiça (Justiça?) Armando Falcão pedia a minha cabeça como condição do fim da censura e de um empréstimo de 50 milhões de dólares pela Caixa Econômica Federal.

É uma longa história, que já contei mais de uma vez. E eu me demiti, ao contrário do que escreveu Mario Sergio Conti, sabujo emérito, pronto a adotar a versão patronal, porque não queria um único, escasso centavo do inventor da lâmpada Skuromatic. Ou não seria lanterna, com a vantagem de ser carregada onde o usuário bem entenda?

P.S.: Não consigo entender por que Marco Antonio Barbosa, figura altamente confiável, não está entre os integrantes da Comissão da Verdade, alguns altamente inconfiáveis.

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quinta-feira, 29 de março de 2012

'O golpe, a ditadura e a direita brasileira'

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Por Emir Sader, em Carta Maior

O golpe e a ditadura foram a desembocadura natural da direita brasileira – partidos e órgãos da mídia, além de entidades empresariais e religiosas. A direita brasileira aderiu, em bloco, ao campo norteamericano durante a guerra fria, adotando a visão de que o conflito central no mundo se dava entre “democracia”(a liberal, naturalmente) e o comunismo (sob a categoria geral de “totalitarismo”, para tentar fazer com que aparecesse como da mesma família do nazismo e do fascismo).

Com esse arsenal, se diabolizava todo o campo popular: as políticas de desenvolvimento econômico, de distribuição de renda (centradas nos aumentos do salário mínimo), de reforma agrária, de limitação do envio dos lucros das grandes empresas transnacionais para o exterior, como políticas “comunizantes”, que atentavam contra “ a liberdade”, juntando liberdades individuais com as liberdades das empresas para fazer circular seus capitais como bem entendessem.

A direita brasileira nunca – até hoje – se refez da derrota sofrida com a vitória de Getúlio em 1930, com a construção do Estado nacional, o projeto de desenvolvimento econômico com distribuição de renda, o fortalecimento do movimento sindical e da ideologia nacional e popular que acompanhou essas iniciativas. Foi uma direita sempre anti-getulista, anti-estatal, anti-sindical, anti-nacional e anti-popular.

Getúlio era o seu diabo – assim como agora Lula ocupa esse papel -, quem representava a derrota da burguesia paulista, da economia exportadora, das oligarquias que haviam governado o país excluindo o povo durante décadas. A direita foi golpista desde 1930, começando pelo movimento – chamado por Lula de golpista, de contrarrevolução – de 1932, que até hoje norteia a direita paulista, com seu racismo, seu separatismo, seu sentimento profundamente antipopular.

A direita caracterizou-se pelo chamado aos quarteis quando perdiam eleições -e perderam sempre, em 1945, em 1950, em 1955, ganharam e perderam com o Jânio em 1960 – pedindo para “salvar a democracia”, intervindo militarmente com golpes. Seu ídolo era o golpista Carlos Lacerda. Esse era o tom da mídia –Globo, Folha, Estadão, etc., etc.

Era normal então que a direita apoiasse, de forma totalmente unificada, o golpe militar. Vale a pena dar uma olhada no tom dos editoriais e da cobertura desses órgãos no período prévio ao golpe a forma como saudaram a vitória dos militares. Cantavam tudo como um “movimento democrático”, que resgatava a liberdade contra as ameaças do “comunismo” e da “subversão”. 

Aplaudiram as intervenções nos sindicatos, nas entidades estudantis, no Parlamento, no Judiciário, foram coniventes com as versões mentirosas da ditadura e seus órgãos repressivos sobre como se davam as mortes dos militantes da resistência democrática.

Por isso a cada primeiro de abril a mídia não tem coragem de recordar suas manchetes, seus editoriais, sua participação na campanha que desembocou no golpe. Porque esse mesmo espírito segue orientando a direita brasileira – e seus órgãos da mídia -, quando veem que a massa do povo apoia o governo (O desespero da UDN chegou a levar que ela propusesse o voto qualitativo, em que o voto de um engenheiro valesse muito mais do que o voto de um operário.). Desenvolvem a tese de que os direitos sociais reconhecidos pelo governo são formas de “comprar” a consciência do povo com “migalhas”.

Prega a ruptura democrática, quando se dá conta que as forças progressistas têm maioria no país. Não elegem presidentes do Brasil desde 1998, isto é, há 14 anos e tem pouca esperança de que possam vir a eleger seus candidatos no futuro. Por isso buscam enfraquecer o Estado, o governo, as forças do campo popular, a ideologia nacional, democrática e popular.

É uma direita herdeira e viúva de Washington Luis (e do seu continuador FHC, ambos cariocas de nascimento adotados pela burguesia paulista) e inimiga feroz do Getúlio e do Lula. (Como recordou Lula em São Paulo não ha nenhum espaço público importante com o nome do maior estadista brasileiro do século passado, o Getúlio, e tantos lugares importantes com o nome do Washington Luis e do 9 de julho).

É uma direita golpista, elitista, racista, que assume a continuidade da velha república, de 1932, do golpe de 1964 e do neoliberalismo de FHC.

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terça-feira, 27 de março de 2012

Ultradireita articula-se contra Comissão da Verdade

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Correio do Brasil

A convocação dos oficiais aposentados para um ato público em favor da ditadura militar, nesta quinta-feira às 15h, horário semelhante aos dos manifestantes que tomarão a Cinelândia em uma manifestação de apoio à Comissão da Verdade, ganha contornos de uma paródia ao enfrentamento nos moldes conhecidos durante os Anos de Chumbo. Por e-mail, em mensagens apócrifas,militares afastados das tropas por alcançar idades acima dos 65 anos, apresentar problemas de saúde ou psicológicos, usam dos velhos jargões dos governos ditatoriais na tentativa de convocar simpatizantes a uma campanha denominada Brasil acima de tudo.

Com base no manifesto em que os sócios do Clube Militar, instituição ligada à ultradireita, com sede no Centro da cidade, tentaram pressionar – sem sucesso – a presidente Dilma Rousseff para não seguir adiante com as investigações de abusos e tortura de prisioneiros durante o regime de 64, os indivíduos que já não usam mais a farda e passam o tempo entre uma e outra conspiração contra a democracia, apelam aos aliados daquela era na tentativa de arregimentar apoiadores à palestra do general Luiz Eduardo Rocha Paiva, figura conhecida nos porões dos antigos Doi-Codi e Cenimar, centros de referência na tortura e morte de prisioneiros políticos no Brasil.

“Creio ser um assombro a luta de alguns poucos no sentido de abrirem os olhos da sociedade! Eles serão mártires ou heróis desta luta insana! De qualquer forma, que Deus os ilumine pela verdadeira guerra que fazem com as armas da crítica e do esclarecimento. Se cometerem algum erro, que tenham a certeza, ele será irrelevante no contexto do bom combate que travam, pois seu alerta está sendo dado!”, diz o texto, apócrifo, do “chamamento” que distribuem na web. Segundo os organizadores, policiais alinhados à extrema direita, integrantes de clubes de serviço que, na época da ditadura, apoiaram o regime militar, membros do grupo fascista Tradição, Família e Propriedade (TFP) e maçons que apoiaram o regime imposto pela força das armas deveriam ser convocados para comparecer ao Clube Militar.

Na mensagem, ditam como cada um dos ex-integrantes das Forças Armadas deveria atuar, na busca de mobilizar alguns incautos para uma reação à Comissão da Verdade.

“1 – Para tirar cópia do chamamento (…) na copiadora – 15 minutos. Quem preferir gastar alguns centavos, tire cópias no comércio local e distribua pelo menos nas caixas de correspondência de seus edifícios.
“2 – Quantos parentes sem e-mail já foram contatados pelo telefone? – 30 minutos;
“3 – Já telefonaram ou passaram e-mails para os conhecidos das (sic) polícias militares? – 15 minutos;
“O “LIONS” e o “ROTARY” da cidade já estão por dentro da campanha, telefonema ou e-mail? 10/15 minutos;
“4- A “loja maçônica” da cidade já está por dentro da campanha, telefonema ou e-mail? – 10/15 minutos”.

A mensagem, sem nenhuma assinatura, em tom de ameaça, alega ainda que os antigos militares não podem “entregar o ouro ao bandido vermelho, de graça”, talvez em referência à ação guerrilheira do Partido Comunista do Brasil e de outras vanguardas revolucionárias da resistência, que terminaram por determinar o fim da ditadura no país, com o apoio de toda a sociedade civil. Ainda segundo o texto, “depende das comunicação que vocês lograrem, por e-mail ou telefone, com os “LlONS’, ‘ROTARY’, ‘lojas maçônicas’, ‘TFP’ e assemelhados”, sem citar o que seriam estes últimos.

Sem dentes
Para alguns dos organizadores da manifestação, convocada pelas redes sociais em uma mensagem transmitida, por vídeo, pelo cineasta Silvio Tendler, essas “manifestações malucas que circulam pela internet” não significam um perigo real para a realização do ato convocado para as 14h, em frente ao Clube Militar, na Avenida Rio Branco, nesta quinta-feira.

        São leões sem dentes. Rugem, fazem barulho, mas já não mordem mais ninguém – concluiu um dos ativistas, que prefere não se identificar “para não jogar mais lenha na fogueira”.
         
Procurado pelo Correio do Brasil, o presidente do Clube Militar, general aposentado Renato Cesar Tibau da Costa, sequer respondeu às ligações.

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segunda-feira, 26 de março de 2012

Comunistas comemoram 90 anos

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"Comunistas chegam aos 90 anos com propostas semelhantes e estilos diferentes"

A bandeira do comunismo passa a tremular com mais vigor nos 90 anos de fundação do partido


“Ideologia não se compra. Ideologia não se vende”. (Eliseu Alves de Oliveira,comunista centenário, presente à festa do PCB, no Rio de Janeiro) 


Por Gilberto de Souza, em Correio do Brasil

Há exatos 90 anos, um grupo de trabalhadores – eram 73 no país todo – fundava o Partido Comunista Brasileiro (PCB). Era uma sexta-feira o dia 25 de março de 1922 quando, no início da tarde, encontraram-se o jornalista Astrojildo, o gráfico Pimenta, o contador Cordeiro, o sapateiro José Elias, os dois alfaiates, Cendon e Barbosa, o vassoureiro Luís Peres, o ferroviário Hermogênio “e ainda o barbeiro Nequete, que citava Lênin a três por dois”, como o descreveu o poeta Ferreira Goulart. Estavam em Niterói para o ato que, neste domingo, foi homenageado por outro grupo de comunistas. Desta vez, porém, só uma parte deles compareceu. A outra foi dormir tarde, na véspera, por conta da festa promovida para 2 mil pessoas, na maior casa de shows do Rio de Janeiro. Ambos os grupos sabem, com clareza, que os ideais de Karl Marx e Friedrich Engels estão mais atuais do que nunca e precisam ser implementados no país, de uma vez por todas. Divididos em um cisma, desde a década de 60, as duas metades da foice e do martelo até hoje não se entenderam e os estilos de fazer política, certamente, não combinam mais.

Na noite que antecedeu a chegada das nove décadas de existência do partido mais longevo na história republicana brasileira, o show de Martinho da Vila e um grupo de bambas no anfiteatro construído ao lado do Museu de Arte Moderna, no Parque do Flamengo, sucedeu o ato político ao qual compareceram as mais altas autoridades do país, com a presença virtual da presidenta Dilma Rousseff e do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em mensagens gravadas especialmente para o público que lotava as mesas e corredores em torno do palco, ao qual subiram os ministros Gilberto Carvalho (Secretaria-Geral da Presidência da República) e Aldo Rebelo (Esportes), o vice-governador do Estado, Luiz Fernando Pezão, o prefeito da cidade, Eduardo Paes, e demais convidados.

Dilma, em traje vermelho e sorriso pleno, derramou elogios sobre a atuação do partido que tem “sacudido velhas estruturas por um país soberano e com justiça social”. Em seguida, Lula estendeu seu abraço à militância e à direção partidária da legenda que o ajudou a superar os momentos mais difíceis de seus dois mandatos. Foram ovacionados. Intensidade semelhante de aplausos foi equivalente apenas ao discurso, de mais de mais de uma hora, do secretário-geral do Partido Comunista do Brasil (PCdoB), Renato Rabelo.

– Os comunistas atuam com o objetivo de, no governo que participamos, dar curso, com base na frente que o sustenta, de um Projeto Nacional com esse sentido. O PCdoB, mais ainda, está empenhado em dar a sua contribuição. Neste tempo presente é primordial distinguir nova oportunidade histórica e seguir caminho próprio, de mudança estrutural, não se limitando a remediar o impasse gerado pela grande crise do capitalismo – disse Rabelo.

Ainda segundo o líder comunista, “o desfecho dependerá da convicção e da vasta mobilização do povo de caminhar no rumo de um novo salto civilizatório na história da grande nação brasileira, que na concepção programática do PCdoB é a transição para uma sociedade superior – socialismo com a cara do Brasil”.
Rabelo lidera a militância que discordou, no passado, dos reformistas – aqueles que pregavam a “revolução democrática e nacional” e, por décadas, determinaram as alianças dos comunistas com setores da burguesia, tornando subalterno o papel do proletariado – e conclamaram a Reconstrução do PCB. Vanguardeados por quadros como Maurício Grabois, Pedro Pomar, João Amazonas, Calil Chade e outros, em 1962 é realizada a conferência de reconstrução, que resgata o nome histórico do partido e assume a sigla PCdoB para se diferenciar da legenda original, que permaneceria na busca de um entendimento com setores capitalistas da sociedade até a ruptura com o grupo que tentou extinguir, definitivamente, a legenda e formar o Partido Popular Socialista (PPS), hoje aliado à direita no país.

– O PCB fez parte de um momento de cisão do movimento comunista, que repercutiu no mundo e aqui no Brasil. Ele jogou seu papel naquele começo e o partido que era maior, que era o PCB, desapareceu. Transformou-se em PPS, um partido hoje atrelado aos tucanos. O que restou é um grupo pequeno, é mais uma seita política, não é um partido político. Não tem influência no curso político brasileiro. Na realidade, o PCB, esse que era maioria, definhou e desapareceu. Para o PCdoB, como nós dissemos aí, valeu a reorganização. (O PCdoB) foi o partido que enfrentou a ditadura, foi o partido que atraiu para as suas fileiras um conjunto de revolucionários sinceros – afirmou Rabelo.

Reconstrução Revolucionária
Líder do grupo que resistiu à criação do PPS e evitou a extinção do PCB, advogado, bancário e secretário-geral do PCB, Ivan Martins Pinheiro não foi à festa promovida na véspera pela legenda dissidente. Neste domingo, fez uma visita ao local onde o Partidão foi fundado e depois participou de uma sessão solene da Câmara Municipal de Niterói, para receber a homenagem do vereador Gezivaldo Ribeiro de Freitas, o Renatinho, do Partido do Socialismo e Liberdade (PSOL). Concluia, assim, uma semana inteira de atividades que teve seu zênite no ato público promovido na Associação Brasileira de Imprensa (ABI), sexta-feira à noite, no Centro do Rio. Tanto na sala de espetáculos do Aterro do Flamengo, com a lotação esgotada para mais de 2 mil pessoas, quanto no antigo auditório do prédio dos jornalistas, a atmosfera transbordava o ideário socialista. Mas estavam cristalizadas as diferenças no estilo de fazer política.

Na chegada à casa de shows alugada pela organização do PCdoB, a retreta recepcionava os convidados, vestidos para festa, aos acordes de clássicos marciais dos mais variados, indo desde um pout pourri de Raul Seixas à The Washington Post March, embora executada com parcimônia por um dos clarinetistas, que a considerava “yankee demais” para o evento. Na ABI, o sagão do 9º andar estava tomado por livros marxistas e a edição doImprensa Popular, o jornal da Direção Nacional do PCB, era distribuída à vontade. Os convidados para o encontro, no lugar dos telões que, na sala de espetáculos trazia as mensagens da atual e do ex-presidente da República, em qualidade de cinema e surround sound, encontravam apenas um equipamento incipiente de vídeo que teimava algumas vezes em não seguir adiante na exibição mas, quando funcionava, era capaz de levar os quase mil partisans à beira das lágrimas, no depoimento de heróis da resistência à ditadura militar, durante o filme Fomos, somos e seremos comunistas.

A execução da Internacional Socialista, por Rildo Hora e sua cândida regência à platéia, durante o ato do PCdoB, comoveu igualmente o coração dos comunistas presentes à festa de sábado mas, na sexta-feira, a emoção veio mesmo da garganta daqueles que cantaram, à capela devido a um defeito no aparelho de som, o hino ao comunismo. Se uma garrafinha de água, na casa de shows, custava R$ 4, era de graça para os comunistas na ABI. Estes últimos também puderam saborear um cafezinho da casa, enquanto respiravam a odisséia de uma legenda que, embora dividida, aponta para o horizonte do socialismo no Brasil.

– Nós temos a vantagem de comemorar os 90 anos no momento em que o Partido readquire a sua vitalidade, após ter passado por um momento muito difícil na década de 90. Tenho que confessar que o Partido quase acabou nos anos 90, com o racha que houve na criação de um outro partido (o PPS) e a crise na União Soviética. Mas hoje estamos reconstruindo o PCB. Chamamos esse momento de Reconstrução Revolucionária. É importante dizer que não estamos propondo uma revolução armada. A expressão ‘revolucionária’, para nós, significa uma mudança profunda em âmbito econômico e social. Não acreditamos em maquiagens, em remendos no capitalismo. Propomos o rompimento com o sistema capitalista. É claro que não será obra nossa, mas de milhões de trabalhadores – afirmou o secretário-geral do PCB.

Janela de entendimento
Passadas nove décadas da fundação no Brasil e cinco de uma briga interna que abalou os alicerces do movimento comunista mundial, as condições para a união das esquerdas comunistas parece ter surgido em uma janela de tempo junto às forças progressistas, para o enfrentamento à direita brasileira. Longe, ainda, de qualquer aceno para uma negociação direta, tanto Rabelo, no PCdoB, quanto Ivan Pinheiro, no PCB, percebem que a Comissão da Verdade, instituída pela lei que visa passar a limpo a história da nação, enseja um esforço para que as vítimas da ditadura desvelem os seus algozes, abrigados nas castas abastecidas pelo capital internacional, com profundas raízes em grande parte da sociedade e ancorados no apoio da mídia conservadora que ignorou, solenemente, o aniversário de fundação do comunismo no Brasil.

– A Comissão da Verdade não é só um fator de aglutinação da esquerda, ela traz para nós, que cumprimos nosso papel, uma função importante, que é repor a história recente do Brasil, em um momento importante dessa história. A verdade é essencial para a história e para que a nação tenha orgulho de ser. Esconder a verdade significa ser uma nação frágil, sem futuro. Então, tem uma repercussão muito maior. Uma parte da sociedade, que hoje é uma minoria, pode ser contra vir à luz do dia a verdade. (Os militares aposentados, que assinaram um manifesto contra a Comissão da Verdade) fizeram o papel deles de interpretar a história, como sempre, pela ótica dominante. Procuraram esconder a verdade para as gerações futuras. Esse foi sempre o papel da classe dominante brasileira. Então, este é o papel dessa elite mais conservadora. O papel dela hoje, desesperadamente, é fazer o que fazia antes, quando tinha o poder na mão. É gente que está de pijama mesmo – disse Renato Rabelo.

A leitura do secretário-geral do PCdoB quanto ao momento histórico porque passa o Brasil e a necessidade de se trazer à tona os crimes cometidos por agentes da ditadura militar assemelha-se, em um corte longitudinal, ao discurso de Ivan Pinheiro. Para o comunista histórico, a verdade sobre os Anos de Chumbo poderá proporcionar o renascimento de “um caminho mais revolucionário e de mudanças profundas”. Segundo Pinheiro, em seu discurso de encerramento do ato político na ABI, o país somente evitará uma nova crise institucional no momento em que as forças de esquerda se unirem em torno da Comissão da Verdade, para que ela possa cumprir seu papel histórico.

Seja sob o brilho dos holofotes, na festa animada por artistas que simpatizam com o ideário comunista, seja no ambiente simples e austero da ABI, o comunismo chega às raias de seu primeiro século no Brasil com a perspectiva de um crescimento sem par na história republicana brasileira. “Há gente que acredita numa mudança, que tem posto em prática a mudança, que tem feito triunfar a mudança, que tem feito florescer a mudança. Caramba! A Primavera é inexorável”, conclui Pablo Neruda, no poema Os Comunistas, difundido nas publicações que encheram este domingo de festa, apesar das diferenças, tanto para o PCB quanto para o PCdoB.

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